Três Homens em Conflito

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Curioso como alguns acontecimentos nos chacoalham e nos esfregam na fuça o tempo e seu tempos, a vida e suas vidas, o humano e seus humanos, por vezes, desumano. E mais, o quanto a fé das pessoas é jogada de um lado para o outro da quadra, espancada como uma bolinha de Tênis nas mãos de um Potro – um animal imaturo, ainda não domado.

 

Não há como saber o que as gerações futuras de tenistas e espectadores dirão deste ano de 2020 mas, talvez, eles recorram à internet para descobrir por simples curiosidade o que houve, por vários ângulos, antes de emitir suas opiniões. Isso, é claro, se não houver no futuro alguma espécie de STF Mundial, inspirado em alguns Imperadores Romanos, os privando ou os limitando de informações. Se no passado, cristãos que se recusavam a adorar deuses romanos ou a participar de rituais em nome do imperador, eram jogados às feras e devorados aos olhos de uma plateia “idiota útil”; no atual presente, qualquer um que ouse a recusa do silêncio contra as cortes e reis que imperam, são apedrejados e enforcados aos extremos do inferno da opinião pública. 

 

Em entrevista desta semana ao jornal sérvio Sportski Zurnal, Djokovic lamentou que o torneio Adria Tour tenha gerado tantas críticas negativas: “é mais do que uma crítica simples, é como se houvesse uma agenda e uma “caça às bruxas”. Alguém tinha que cair: um grande nome”. 

 

Não é de hoje que parte da opinião pública vê em Djokovic a personificação do Mau e do Feio (inteligente, mas perigoso até no sorriso), em busca do pote de ouro só possível aos eleitos por ela. Quando notam algo Bom no sérvio, é um bom impuro, à margem da lei, e que tira proveito das situações – uma espécie de vilão por trás da carcaça de bom moço. 

 

Tenho a impressão de que quando se iniciou o Adria Tour, sob a tutela de entidades e federações dos balcãs, alguns telespectadores escondidos debaixo da cama em outros cantos do planeta tenham visto assombrar pela tela de suas TVs um enorme círculo de pedras flertando com o cemitério, suscitando a morte, a dureza, a desolação. Ou, quem sabe, tenham simplesmente se assustado ao mirarem as arquibancadas e notarem que ainda existe vida humana sem máscara, álcool gel, pílula azul, fica em casa e iFood. 

 

Há quem diga que sobrou exagero e faltou bom senso por parte de Djokovic e cia em cada abraço ou aperto de mão entre os tenistas, na não imposição do uso de máscaras a qualquer um que não portasse uma raquete em quadra ou na festa noturna para comemorar o sucesso do Adria Tour – criado para angariar fundos, incentivar o Tênis nos países da região outrora devastados pelas guerras e possibilitar aos tenistas o reencontro com seus “ganha pão”. Pessoalmente, não me apoquentei com toda aquela realidade do lado de lá e até fiquei com um certo orgulho da humanidade por suas complexidades e resistência a uma ordem que parece querer que todos ajam como Chaplin apertando parafusos nos Tempos Modernos. 

 

Para ser bem sincera me senti flutuando livre nas partituras de Ennio Morricone. Eu assobiava por cada partida tendo como chegada o Tênis em si, puro, o amor por algo maior e mais pulsante do que o medo e às falsas seguranças momentâneas e de ocasião. Eu era o menino do Cinema Paradiso. Óbvio, que eu não teria este sentimento se o Adria Tour tivesse sido disputado em qualquer outra parte do Mundo onde a pandemia se instaurou como um inquérito ilegal, sem hora para acabar. Principalmente, porque sou contra o suicídio – individual ou coletivo. A César o que é de César. 

 

O tão polêmico torneio ocorreu em uma região em que não havia qualquer sinal vermelho de contaminação pelo vírus chinês. Em um território que atestou em passado recente, conflitos imensuravelmente mais desérticos para o corpo e para o espírito. Dificilmente alguém como Djokovic que vivenciou na infância tudo o que ocorreu por trás da Cortina de Ferro irá encarar a atual pandemia como alguém que na infância só precisou se preocupar com Piolho, Bicho do Pé, Zé Gotinha e com a próxima figurinha para completar o álbum da Panini. Djokovic ainda se lembra que durante um “Parabéns para Você”, em um dos seus aniversários onde um simples bolo era luxo, o canto dos convidados se confundiu com os ruídos de bombas e toques de recolher. Nenhum convidado cessou a voz ou recuou no desejo, em suma, era uma vida que se anunciava e rompia os destroços. Em outros cantos do vasto mundo o momento de tensão pós “Parabéns” se resume a uma guerra aos brigadeiros na mesa já farta de doces. 

 

Há vozes sensatas que se dizem preocupadas com certos protocolos exagerados que possam ser impostos em torneios oficiais da ATP, quando o circuito voltar a girar, por conta do Adria Tour e suas “baixas” – 4 tenistas contaminados e curados. Não duvido. Do jeito que os Trancas Ruas e Quadras são criativos e obsessivos com distanciamento social (desde que não inclua aqueles que precisam pegar metrô lotado para garantir a lagosta e o vinho essenciais daqueles), capaz de se reunirem com Gates e chegarem à conclusão de que os torneios via Xbox garantirão a todos a segurança necessária e uma realidade virtual “idêntica” à verdadeira até que vacinas para todas as pragas da humanidade estejam nas prateleiras. Os Abutres têm fome. 

 

Por um punhado de dólares, Wimbledon não precisou sofrer as consequências econômicas da pandemia em grama inglesa, tampouco titubeou para anunciar seu cancelamento. Os sábios velhinhos devem ter assistido com bastante atenção a abertura das Olimpíadas de Londres de 2012. Sei lá. Devem ter se incomodado com todas aquelas referências macabras e sombrias que incluíam a imagem de um Vírus, a National Health System em caos, sacrifícios, Voldemort, Capitão Gancho, Rainha de Copas e uma das trilhas sonoras do Exorcista – que não era a de Morricone. Correram e trataram de fazer um seguro milionário para pandemia. Alguém poderia me passar o telefone dos velhinhos?! É só para perguntar se as petúnias vão bem, obrigada.

 

Sem a mesma proteção e vantagem financeira, US Open e Roland Garros anunciaram que o ano de 2020 não será de todo perdido para os fãs do Tênis, mesmo com restrições. US Open esclareceu em nota que não será admitido público nos jogos. Será um tanto quanto interessante, embora profundamente triste, assistir aos jogos da quadra central sem o fator torcida. Como os tops reagirão em momentos de dificuldade sem a torcida para lembrar o adversário que existe um abismo entre um set point e um match point? Teremos os famosos “Come on” e “Bamos” urrados para incendiar o público e jogar um balde de pressão no adversário? E o que dizer daqueles que só conseguem sair do Buraco Negro e daqueles que só conseguem entrar nele com o calor da torcida? Como será o prenúncio do famoso “A hora da Onça Beber Água” na voz de Paulo Cleto sob o silêncio das arquibancadas? Se eu fosse da organização do US Open eu não mediria esforços para colocar em prática algumas ideias de jerico, afim de tornar o torneio mais feliz e da natureza humana. Dentre estas ideias de jerico, opinião não ofende, um público composto de pessoas que já tiveram o vírus chinês e desenvolveram imunidade. Um contraponto aos noticiários mórbidos e aos Profetas do Apocalipse.

 

Novak Djokovic e Rafael Nadal ainda não confirmaram suas participações no Grand Slam norte-americano. Torço muito para que seja apenas beicinho ou carteira vazia Por uns Dólares a Mais. Até entendo Rafael Nadal não participar: pelo piso, por priorizar a terra batida – ainda mais estando a 1 Grand Slam de Roger Federer e por ter se colocado tão a favor de uma vacina obrigatória, ainda inexistente, a todos os tenistas profissionais para que seus próprios ideais se sintam bem em quadra. Aliás, é bom ele ficar esperto, porque não demora muito a vigilância sanitária irá condenar todo aquele ritual dele na hora de sacar – mão passando pelo nariz ao flertar com a boca e dedos entre os glúteos poderá causar uma série de histeria coletiva sobre A Gaiola das Loucas. 

 

Não entendo é Djokovic manter todo o drama a respeito de sua participação no US Open. A herança do Adria Tour não soa como empecilho, afinal, não é a primeira vez que algumas de suas atitudes, fora do padrão, precisam passar por crivo da opinião púbica portadora de pedras na mão. E não será a última quando se tem um pai como o dele. Aliás, até penso que a herança do Adria Tour foi positiva para Djokovic no que diz respeito a tal vacina. Nole se diz contra tornarem-na obrigatória a todos os tenistas. E tendo já contraído o vírus ele próprio poderá conseguir um salvo-conduto caso as determinações da entidade tenística consigam superar a da entidade brasileira que veste toga. Vale ressaltar que se o torneio Adria Tour tivesse seguido vários protocolos de “segurança” praticados em epicentros do vírus chinês, e mesmo assim alguns tenistas ou os mesmos tenistas contraíssem o vírus nestas circunstâncias, provavelmente, eu estaria aqui lamentando a Cultura do Cancelamento de todos os jogos no circuito até a volta de Jesus Cristo. 

 

E quem apareceu esta semana nos noticiários para receber raras críticas ao seu comportamento foi Roger Federer. O suíço que durante os últimos meses havia recebido vários elogios: por doações, por adotar uma postura idêntica ao de Nadal, ou seja, a favor da quarentena até que a vida deles volte ao normal, pelo lançamento do par de tênis em sua homenagem, o The Roger, feito com couro vegano e projetado para reduzir o consumo de material; recebeu duras palavras por ter ido a um restaurante sem máscara e por provocar aglomeração com seus fãs que pediam uma foto, um autógrafo, um cheirinho e um aperto de mão. Para completar a semana, Federer disse em entrevista para a Revista Zeit que a hora da sua aposentadoria está chegando. Fora desta temporada em decorrência de duas cirurgias no joelho, e prestes a completar 39 anos, Roger Federer parece ter aceitado que o pote de ouro periga sair das suas mãos. Sem armas aparentes para se impor aos outros dois neste conflito de quem é o maior e quem ficará com o precioso título, resta a Roger a célebre reflexão de todo atleta consigo mesmo quando passado o ápice de sua carreira, de sua exuberância física e mental: “existem dois tipos de homens neste mundo meu amigo: aqueles com armas carregadas e aqueles que cavam. Você cava”. 

 

P.S.: este texto foi escrito em memória da querida e amada avó do meu esposo – Tereza Maria Bonomi Piola, que partiu para os braços do Pai Eterno após uma isquemia mesentérica em 9 de julho. Benção Vó! Também ao gênio Ennio Morricone que partiu 3 dias antes, em 6 de julho – impossível descrever em palavras o quanto sua obra embalou meus sentimentos mais profundos. Au Revoir!

 

[Ficha Técnica]
Por LuA Linhares
Instagram: @lua.linhares
Twitter: @LuALinhares80

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